Atualmente, no Brasil, existem apenas 2,08 médicos patologistas para cada 100 mil habitantes, número bem abaixo do estimado pela Organização Mundial da Saúde (OMS), de 5 a 6 patologistas a cada 100 mil habitantes. Hoje no País existem apenas 4.424 patologistas, sendo que parte deles possui outra especialidade com a qual trabalha. É o que revelam os dados da pesquisa Demografia Médica no Brasil 2025, publicada em maio e realizada pelo Ministério da Saúde, pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP) e pela Associação Médica Brasileira (AMB).

Segundo Gerônimo Jr., presidente da Sociedade Brasileira de Patologia (SBP), entidade que representa profissionais da Patologia, devido ao baixo número desses especialistas em diagnóstico de doenças, o diagnóstico precoce e o tratamento do câncer ficam comprometidos. Atualmente, segundo dados do Radar do Câncer analisados pelo próprio Instituto Oncoguia, 58% das pessoas diagnosticadas com câncer no Sistema Único de Saúde (SUS) iniciam seus tratamentos já nos estágios avançados ou metastáticos, impedindo um prognóstico mais positivo.

A remuneração prevista na Tabela de Procedimentos do SUS para exames diagnósticos em Patologia está severamente defasada”, afirma o presidente da SBP. Em 2019, uma auditoria do Tribunal de Contas da União (TCU) já havia identificado o diagnóstico histopatológico como um dos principais gargalos na linha de cuidado oncológico. Atualmente, o SUS paga apenas R$40,78 por exames essenciais, como a biópsia – fundamental para o diagnóstico de câncer – um valor absolutamente desproporcional à complexidade e importância do procedimento.

“O que temos observado ao longo dos últimos seis anos, após a auditoria do TCU que evidenciou o diagnóstico patológico como um gargalo, é a inércia diante da questão. Nada de concreto foi implementado para solucionar os desafios que envolvem o diagnóstico oncológico no País”, afirma Gerônimo Jr.

Desigualdades regionais – A pesquisa “Meu SUS é diferente do seu”, publicada em abril e desenvolvida pelo Oncoguia, também evidencia a persistência na desigualdade no acesso ao tratamento do câncer entre os hospitais oncológicos do SUS no Brasil. Entre outros dados, a pesquisa mostrou que as terapias recomendadas internacionalmente estão disponíveis em menos de 5% dos hospitais das regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste, especialmente no tratamento de pulmão e melanoma.

“Um exemplo claro dessa realidade: na região Norte, temos apenas 177 patologistas, segundo a Demografia Médica. Imagine uma paciente do Acre, onde há apenas dez patologistas, que recebe um diagnóstico de câncer de mama – um processo que já tende a ser demorado. Durante a cirurgia, a presença do patologista é fundamental para avaliar as margens tumorais em tempo real, orientando o cirurgião sobre a necessidade de retirar mais tecido para garantir margens livres”, explica Gerônimo Jr.

No entanto, complementa o presidente da SBP, na ausência de um patologista no centro cirúrgico, a abordagem inicial pode ser inadequada, resultando em margens comprometidas e na necessidade de tratamentos adicionais, como a radioterapia, o que onera o sistema. Esse custo poderia ser evitado se esse profissional estivesse presente para assegurar uma conduta cirúrgica mais assertiva já no primeiro tempo operatório.

Os outros Estados da região Norte também possuem poucos patologistas, existindo do menor para o maior em números: no Amapá (9), em Roraima (11), em Rondônia (24), no Tocantins (24), no Amazonas (34) e no Pará (65), o que é distante da realidade de São Paulo, que conta com 1.468, ainda que esse estado tenha maior densidade populacional e, dessa maneira, maior demanda para a realização de exames diagnósticos. Ainda assim, em estados da região Norte, há uma incidência crescente de tipos de cânceres como o de estômago em relação a outras regiões.

“Desde outubro do ano passado, a SBP foi contatada pelo Ministério da Saúde e tem participado de várias reuniões com o objetivo de firmarmos um Termo de Cooperação Técnica. Nossa intenção é oferecer todo o suporte técnico e a expertise na construção de soluções voltadas ao diagnóstico oncológico no País. No entanto, é fundamental que esse tema seja tratado com a urgência que merece, garantindo a celeridade necessária para sua implementação”, afirma Gerônimo Jr.

Crescimento insuficiente – Dados da Demografia Médica 2025 demonstram, ainda, que houve um avanço no número de médicos formados e de especialistas em diferentes áreas médicas. No entanto, esses profissionais estão mais concentrados em regiões como o Sudeste e nos grandes centros, sendo reduzido seu número em regiões como o Norte e em municípios do interior do Brasil. Com isso, o País fica atrás de outros países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) na média mundial de 3,70 médicos a cada 1.000 habitantes e do percentual de 62,1% de especialistas em relação ao total do número de médicos em atividade, possuindo, respectivamente, 2,98 e 59,1%.

Ademais, em relação às residências médicas, que formam especialistas, apenas seis especialidades concentram quase 55% dos residentes, sendo elas: Clínica Médica (13,6%), Pediatria (10,5%), Cirurgia Geral (9,0%), Ginecologia e Obstetrícia (8,6%), Anestesiologia (6,6%) e Medicina de Família e Comunidade (6,5%), áreas ligadas ao tratamento e prevenção de grandes grupos populacionais ou situações de saúde frequentes, também muito demandadas pelo sistema de saúde e mercado de trabalho e, portanto, com maior número de vagas.

Conforme analisa Gerônimo Jr., apesar de em 2024 ter havido um crescimento de 185,4% no número de patologistas no Brasil em relação a 2011, indo de 1.550 para 4.424 em pouco mais de 10 anos, muitas vagas em programas de residência médica em Patologia ainda ficam ociosas. Com isso, o número atual representa apenas 0,9% do total de especialistas de todo o País, considerando todas as áreas médicas. “Esse é um dos pontos que temos dialogado em caráter de urgência com o Ministério da Saúde”, conclui.



Source link